DULCE MATEUS
Volatilidade
No âmbito do projeto MULHERES E METAMORFOSES estão sendo realizadas uma série oficinas de corpo e arte para mulheres de proveniências diversas. Durante a oficina, fazemos quatro desenhos, sempre sem olhar o papel e com foco naquilo que se desenhava: o primeiro, de um objeto ou paisagem que se vê naquele momento presente. O segundo, de um fragmento desta imagem. O terceiro, invisível – desenhamos com o corpo no espaço. O quarto, uma síntese das experiências sensoriais por que se tinha passado. Neste último, pedi que uma palavra (texto) fosse associada à imagem. O foco dessas oficinas não é o produto acabado de ações criativas, mas justamente aquilo que pode emergir da desestabilização dos padrões de percepção e hábitos enraizados no corpo. O corpo guarda histórias silenciadas. A exploração de suas rachaduras pode ser um caminho aproximar verdades específicas e escondidas.
Dulce Matheus, “Volatilidade”. Grafite sobre papel sulfite. Improvisação de desenho realizada na oficina de corpo e arte, www.mulheresemetamroses.org , realizada no dia 01 de julho de 2021
Volatilidade, na sua acepção comum, indica algo que voa, aéreo, nevoento. Esse termo aponta mudança constante, algo que não é firme nem permanente. Na química e na física a volatilidade é uma grandeza que mede a facilidade com que uma substância passa do estado líquido para o gasoso.
Começamos a oficina com um exercício de respiração, em que eu pedi para as participantes respirarem imaginando que um fluxo de água sobe e desce pelos seus corpos, fluindo para fora do corpo pelo topo da cabeça e pelos pés. O desenho de Dulce traz essa fluidez acrescentando ao percurso da água as suas mudanças de estado.
Logo que abri a sala, Dulce, que tem 76 anos, perguntou se ela era a única “idosa” na oficina. Eu respondi que a oficina é para mulheres independentemente da idade. E afinal o que significa a idade que uma determinada pessoa tem? Ela aponta o contexto histórico (tempo e as visões de mundo dessa época) em que uma pessoa nasceu, aponta as mudanças desse contexto por que uma pessoa passou até a atualidade, aponta as transformações por que o corpo-mente passa ao longo da vida e do tempo e toda a experiência e conhecimento que podem emergir desse processo.
O primeiro desenho de Dulce foi tímido, mais contido, como talvez ela tenha se sentido por ser a “única idosa” no grupo. Conforme o traçado foi entrando no seu corpo com os exercícios de movimento, as linhas ficaram mais fortes e definidas. A vida é volátil. Um constante mudar de estados. A fluidez e a segurança de seu último desenho apontam a compreensão e aceitação dessa série de metamorfoses